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Quem vai nos alimentar. A cadeia industrial de produção de alimentos ou as redes camponesas de subsistência

by Grupo ETC | 17 Jan 2014

Aqueles que governam, aqueles que elaboram as po­líticas, e a imensa maioria dos habi­tantes das cidades, não sabem que exis­tem importantes sistemas alimentares invisíveis. Passaram o último meio século sem questionar o modelo ocidental de produção, processamento e con­sumo de alimentos.

Quase tudo o que foi pensado sobre segurança alimentar nas últimas décadas é baseado nesse modelo.

Nós nos tornamos dependentes das estatísticas e interpretações limitadas promovidas pelas agroempresas, e há cada vez menos informação acessível ao público sobre a realidade dos merca­dos e seus lucros.

O grande público e aqueles que projetam as políticas aceitam que o aumento do consumo de carne e laticínios, da obesidade e da necessidade de fertilizantes e agroquímicos é incontestável. É urgente debater o que sabemos (e o que supomos) sobre a cadeia in­dustrial de produção de alimentos.

Para uns, a produção baseada nas multinacionais de agronegócios, dominante na maior parte do mundo ocidental, é o único paradigma realmente aceitável e possível. Para outros, são os camponeses que devem estar no ponto de partida, no centro de todas as políticas de alimentação, locais, nacionais e globais.

Usamos o termo “camponeses” e “camponesas” para descrever todos aqueles que produzem ali­mentos principalmente para si mesmos e para suas comunidades, sejam agricultores rurais, urbanos ou periurbanos, pescadores de costas e rios, pasto­res ou caçadores e coletores. Muitos camponeses entram em todas essas categorias. Os agricultores frequentemente têm tanques ou animais de criação, caçam ou são extrativistas. Muitos vão e vêm entre o campo e a cidade. Por “rede” en­tendemos a complexidade de relações que se apoiam umas nas outras e são compartilhadas por camponeses e comunidades.

A variedade de fontes de alimentos das quais se nutrem as comunidades camponesas dificulta as estatísticas: os camponeses trabalham com cerca de 7 mil cultivos, enquanto os analistas da indústria focam em 150. Quase nunca consideram as “colheitas ocultas” (extrativismo sazonal em florestas, costas e savanas) ou a abundância de colheitas urbanas (hortaliças, piscicultura e animais).

Também é difícil calcular quanta comida é produzida e consumida na cadeia industrial de alimentos. Muito tem sido escrito sobre o desperdício que provém do descarte de frutas e vegetais “imperfeitos” ou dos problemas do transporte em longas distâncias, sobre a boa qualidade dos alimentos descartados pelos supermercados e daquilo que os próprios consumidores jogam fora em suas casas; há muito pouca pesquisa sobre o consumo excessivo: dos 80% da terra agrícola e dos fertilizantes que, em nível planetário, são destinados à alimentação animal e convertidos em carne e laticínios, quanto é desperdiçado? Cada vez mais consumidores excedem em muito a ingestão recomendada pelas autoridades de saúde. Ao calcular todas essas formas de desperdício, concluímos que a cadeia industrial fornece apenas 30% da comida que a humanidade consome e necessita.

Definitivamente, a produção industrial de alimen­tos não é capaz de proporcionar o que aqueles que sofrem de fome ou desnutrição realmente necessitam.

Quem nos alimenta

A cadeia industrial provê 30% dos alimen­tos utilizando de 70% a 80% da terra arável. Usa mais de 80% dos combustíveis fósseis e 70% da água destinados para uso agrícola; ocasiona en­tre 44 e 57% das emissões anuais de gases de efeito estufa (GEE); desmata 13 milhões de hectares e destrói 75 bilhões de toneladas de cobertura vegetal por ano. Embora domine os 7 trilhões de dólares que vale o mercado mundial de alimentos, controla somente 15% da comida produzida no planeta (a que é comercializada internacionalmente) e deixa 3,4 bilhões de pessoas desnutridas ou obesas.

Em um ano normal, e com boas terras, as varie­dades mais produtivas dos principais monocultivos comerciais produziriam, por hectare, maior quantidade para o mercado que as variedades camponesas do mesmo cultivo, mas a um custo muito maior, que inclui danos à saúde, aos meios de subsistência das comunidades e devastação ambiental.

As redes camponesas produzem mais de 70% da comida que a humanidade consome. Entre 15% e 20% provêm de agricultura urbana; outros 10 a 15% da caça e do extrativismo; 5 a 10% da pesca, e entre 35 e 50% de unidades de produção agrícola de pequena escala. Colhem 60-70% dos cultivos alimentares com 20-30% da terra arável; utilizam menos de 20% dos combustíveis fósseis e 30% da água destinados para usos agrícolas. Nutrem e usam a bio­diversidade de maneira sustentável e são responsáveis pela maior parte dos 85% dos alimentos que são produzidos e consumidos dentro das fronteiras nacionais. São o principal provedor, e às vezes o único, dos alimentos que chegam aos dois bilhões de seres humanos que sofrem de fome e desnutrição no planeta.

Em um ano normal ou ruim, em solos bons ou empobrecidos, as variedades camponesas em sistemas de consorciação de vários cultivos, junto com a pesca e a criação de animais, produzem, no total, mais comida por hectare, e mais nutritiva, que qualquer monocultivo da cadeia industrial, por uma fração do custo, empregando mais pessoas e cuidando do ambiente.

Quem vai nos alimentar

A cadeia industrial: Com a monopolização de terras, os tratados comerciais que favorecem as indústrias, os monopólios de patentes cada vez mais abusivos, a criminalização dos intercâmbios de sementes, os subsídios vantajosos aos combustíveis fósseis baratos e o fato de transferir aos consumidores e aos produtores camponeses cada vez mais custos da produção industrial de alimentos e da segurança alimentar, a porcentagem de população urbana no planeta chegará aos 70%, a obesidade duplicará, a produção de carne e a de laticínios crescerão 70%; a demanda total de alimentos aumentará 50% e a necessidade de água crescerá 30%. As emissões de GEE aumentarão 60%.

A rede camponesa: Com respeito irrestrito aos te­rritórios camponeses, se fosse salvaguardado o direito à terra e à água, aos intercâmbios de sementes e ao melhoramento vegetal e animal comunitários; se fossem eliminadas as regulamentações que sabotam os mercados locais e a diversidade, se o comércio social e ambientalmente justo fosse generalizado, se fossem democratizados a pesquisa e o desenvolvimento de práticas agroecológicas, a população rural planetária se manteria em 50%, o acesso a alimentos e a qualidade dos mesmos duplicaria, as taxas de obesidade despencariam, as emissões de GEE seriam reduzidas em pelo menos 60%, e a demanda de água em 50%; e o uso de combustíveis fósseis para trabalhos agrícolas seria reduzido entre 75 e 90%.

A cadeia industrial usa 150 cultivos, mas foca em apenas 12. Cerca de 45% da pesquisa e desenvolvimento agrí­colas se concentram na versatilidade do milho. Mais de 80 mil variedades foram registradas sob propriedade intelectual desde 1970; mais da metade (59%) são ornamentais. O custo médio para desenvolver uma variedade geneticamente modificada é de 136 milhões de dólares. Somente entre 10 e 20% das sementes que são utilizadas no Sul global provêm do setor comercial. A cadeia está centrada no melhoramento de poucos cultivos e considera apenas 700 de seus parentes silvestres para a adaptação à mudança climática.

A rede camponesa cultivou mais de 2 milhões e 100 mil variedades de 7 mil espécies de cultivos desde os anos sessenta. Ornamentais, uma mínima parte. Produzir novas variedades não custa nada. Entre 80 e 90% das sementes são obtidas fora do mercado. Os camponeses conhecem e manejam de 50 a 60 mil espécies de parentes silvestres, o que, segundo a cadeia industrial, custaria 115 bilhões de dólares por ano.

A cadeia industrial trabalha com 5 espécies e me­nos de 100 variedades. Menos de uma dúzia de corporações dominam a pesquisa em genética pecuária de frango, porco e gado. Quatro empresas do­minam 97% da pesquisa sobre melhoramento genético do frango, e 4 dominam 65% da genética de porcos. Pela uniformidade genética que promovem, Europa e América do Norte têm a proporção mais alta de espécies pecuárias em perigo de colapso.

A rede camponesa: Utiliza pelo menos 40 espécies pecuárias e mantém 7 mil raças locais. Cerca de 640 milhões de agricultores camponeses e 190 milhões de pastores cuidam da diversidade animal que nos ali­menta. E 2/3 dos cuidadores dessas espécies animais são mulheres. Domicílios rurais e urbanos no Sul global obtêm da criação doméstica de animais entre 1/3 e 1/2 de suas rendas.

A colheita aquática

A cadeia industrial captura 363 espécies mari­nhas e cria 600 em cativeiro, mas seus programas de melhora estão focados em apenas 25. A sobre-exploração ameaça 20% das espécies de água doce; 30% das reservas oceânicas de peixes estão sobre-ex­ploradas, e 57% estão no limite da sobre-exploração. Os barcos pesqueiros pescam hoje somente 6% do que era capturado há 120 anos.

A rede camponesa pesca mais de 15 mil espécies de água doce e milhares de espécies nos oceanos. Uma 5ª parte da humanidade depende da pes­ca como principal fonte de proteínas. As mulheres representam 33% da força de trabalho rural dedi­cada à aquicultura na China, 42% na Indonésia e 80% no Vietnã.

Quem possui as terras e como as utiliza

Pelo menos desde 2001, a cadeia industrial apoderou-se de 15% da terra agrícola para produ­zir matérias-primas industriais e de 2% ou mais para produzir agrocombustíveis. Usa entre 70 e 80% da terra arável e 176 milhões de toneladas de fertili­zantes sintéticos, e devasta 75 bilhões de tonela­das de solos (avaliadas em 400 bilhões de dóla­res) a cada ano. A cadeia industrial impõe a produção pecuá­ria (ração, forragens ou pastagens) a 78% da terra agrícola do planeta. E 80% do fertilizante é usado na produção de forragens, mas a metade desse fertilizante nunca chega às plantas cultivadas devido a deficiências técnicas.

A rede camponesa usa entre 20 e 30% da terra arável do planeta, da qual cultiva pelo menos a metade sem usar fertilizantes sintéticos (23% do nitrogênio usado em sistemas agrícolas de culti­vos consorciados provém de esterco). Em conjunto, os camponeses conseguem que entre 70 e 140 milhões de toneladas de nitrogênio sejam fixadas anualmente nos solos, o que, em um esquema de mercado, custaria mais de 90 bilhões de dólares.

Quem protegerá nossas florestas

A indústria de produtos madeireiros primários, com valor de 186 bilhões de dólares, focaliza em 0,5% das espécies conhecidas (450). Na América Central, a mudança do uso do solo de florestas para forragens destruiu 40% das florestas em 40 anos. E 75% das terras desmatadas no Amazonas brasileiro estão ocupadas por pecuaristas. Mais de 90% da madeira tropical é comercializada de maneira ilegal.

Nas redes camponesas são conservadas umas 80 mil espécies florestais utilizadas de diversas formas por 80% das comunidades do Sul global. Das florestas e savanas, são colhidos entre 10 e 15% da alimentação mundial. Cerca de 1,6 bilhão de pessoas dependem das florestas para sua subsistência, e as terras chamadas de “ociosas” geram aproximada­mente 90 bilhões de dólares por ano. A metade da terra de cultivo no planeta conta com pelo menos 10% de florestas, que têm um papel vital na conservação e armazenamento dos GEE.

Produzir destruindo ou produzir cuidando

Com a agricultura industrial, calcula-se que as emissões de gás metano aumentarão 60% até 2030. As unidades de produção agrícola não orgânicas emitirão uma quantidade adicional de 637 kg/ha de CO2 por ano. A exploração da área do leito marítimo feita atualmente pelos navios de pesca industrial contribui, a cada ano, para a destruição de 1,5% das pradarias oceânicas e libera 299 milhões de toneladas de carbono na atmosfera.

A agricultura das redes camponesas mantém os pastos, as variedades e a diversidade microbiana que contribuem para reduzir as emissões de metano e de óxido nitroso. A agricultura orgânica e camponesa, assim como as práticas agroecológicas de res­tauração de solos, podem armazenar entre 3 e 8 toneladas adicionais de carbono por hectare, re­duzindo até 60% das emissões de GEE. As tecnologias dos pescadores artesanais não destroem as pradarias oceânicas.

Quem está acabando com a água

Cerca de 76% da água que cruza as fronteiras nacionais é usada para a agricultura industrial e para o processa­mento de seus produtos (o comércio de soja e seus derivados gasta 20% do total dos fluxos de água internacionais de águas limpas). Os comércios de produtos animais e industriais requerem, cada um, 12% do uso da água. A dieta baseada em proteína animal necessita de até 5 vezes mais água que uma dieta vegetariana. A água usada para a produção de alimentos que depois são desperdiçados seria suficiente para satisfazer as necessidades domésticas de 9 bilhões de pessoas.

Nas unidades de produção que não usam agroquímicos, a lixiviação de nitrato até os lençóis freáticos é quatro vezes menor. Cerca de um bilhão de pessoas consomem produtos agrícolas que foram cultivados a princípio com águas residuais. A água de uma cidade com um milhão de habitantes pode irrigar entre 1.500 e 3.500 hectares de terras semiáridas. Entre 15 e 20% da produção global de alimentos ocorre em áreas urba­nas. Uma dieta vegetariana requer cerca de 5 vezes menos água que uma dieta baseada na proteína animal.

Quem gasta energia

A cadeia industrial consome enormes quantidades de carvão fóssil (em combustíveis, fertilizantes e agrotóxicos) contribuindo para a degradação ambiental e para a emissão de gases. Os fertilizantes e agrotóxicos equivalem à metade da energia que é utilizada para produzir trigo. A fabricação de ni­trogênio sintético usa 90% de toda a energia utilizada na indústria de fertilizantes.

A rede camponesa trabalha com uma eficiência ener­gética muitíssimo maior: enquanto a cadeia industrial precisa de 2,7 megacalorias (Mcal) de energia externa para produzir um quilo de arroz, a rede camponesa o produz com apenas 0,03 Mcal. Para o milho, o custo energético da cadeia é de 1,4 Mcal, enquanto para a rede é de 0,04 Mcal.

A produção industrial alimenta as doenças e lucra com o desperdício. As conservas foram inventadas para prolongar a vida dos comestíveis, mas, atualmente, a meta comercial do processamento é homogeneizar, transportar e concentrar ingredientes em um mercado com valor de 1,37 trilhão de dólares. Desde 1950, o processamento de alimen­tos ocasionou a redução dos conteúdos nutricionais, a uniformização das dietas, a redução da diversidade e o aumento das taxas de obesidade e de doenças crônicas relacionadas.

Entre as redes camponesas se processam e conservam os alimentos para consumo local. Dois bilhões de pessoas no Sul dependem dos processos locais artesanais de fermentação e processamento de grande parte dos alimentos que consomem.

Da comida produzida industrialmente, entre 33 e 40% são desperdiçados durante a produção, transporte, processamento e nos domicílios; 25% se perdem pelo sobreconsumo.

O desperdício per capita de alimentos na Europa e na América do Norte é de 95 a 115 quilos por ano. Me­nos de 5% da pesquisa agrícola se dedica a compreender e remediar as perdas pós-colheita. Os barcos pesqueiros industriais, a cada ano, jogam de volta no mar 7 milhões de toneladas de produto e assassinam 40 milhões de tubarões para vender suas barbatanas. 

Somadas as perdas e desperdícios de todo tipo, calculam-se entre 280 e 300 kg per capita na Europa e na América do Norte.

Em contraste, o desperdício nos domicílios da Áfri­ca Subsaariana e do Sudeste da Ásia é de 6 a 11 quilos per capita, menos de 10% do que é desperdiçado nos países industrializados.

Nessa mesma região, a soma das perdas e desperdícios daria 120 e 170 quilos per capita. Grande parte dos restos dos cultivos e dos alimentos processados de modos locais no Sul global fertilizam os solos e alimentam os peixes ou os animais domésticos.

Embora a cadeia industrial tenha grandes custos e desperdícios, 2 bilhões de pessoas têm deficiências de micronutrientes (868 milhões estão abaixo da linha da fome) e mais 1,4 bilhão sofrem de sobrepeso (das quais 500 milhões são obesas). O consumo de carne nos países ricos é quase 2,2 vezes mais do que o recomendado pela FAO. O esperado é que a obesidade duplique até 2030. As perdas em produtividade e em gastos com doenças relacionadas à malnutrição e ao sobreconsumo já excederam os 4 trilhões de dólares ao ano, equivalentes a mais da metade do valor mundial do mercado de comestíveis.

As redes camponesas de subsistência no Sul global são o principal fornecedor de comida para aqueles que sofrem de fome ou desnutrição. Evitam os monocultivos agrícolas e pecuários e promovem a diversidade genética. As dietas variadas, nos lugares onde não dominam as corporações de fast food, poderiam economizar para o mundo até 4 trilhões de dólares ao ano e são a forma mais segura de resolver as deficiências de micronutrientes entre a população. Os valores nutricionais dos cultivos camponeses, devido à sua diversidade genética, podem variar até mil vezes comparados com a cadeia industrial: 200 gramas de arroz por dia podem representar 25 ou até 65% das necessidades de proteína; uma banana pode oferecer entre 1 e 200% da dose diária de vitamina A que um corpo humano necessita.

E os bichos pequeninhos?

A apicultura comercial presta serviço a uma terça parte dos cultivos nos países industrializados. As colônias de abelhas estão tendo baixas dramá­ticas por causa dos inseticidas, o que ameaça uma perda de produtividade de cerca de 200 bilhões de dólares.

Graças às redes camponesas, 71 dos 100 cul­tivos alimentares mais importantes são polinizados principalmente por abelhas silvestres que sobrevivem com aqueles que compartilham os mesmos habitats, de onde obtêm alimentos e remédios.

A uniformidade genética de cultivos e animais, combinada com o uso maciço de fertilizantes sinté­ticos e agrotóxicos, dizimou as populações de micróbios benéficos para a agricultura, erodin­do os solos, afetando a eficiência alimentar dos animais e tornando-os extremamente vulneráveis a doenças. A indústria coleta e conserva ex-situ 1 milhão e 400 mil cepas microbianas, no entanto, menos de 2% da diversidade dos micró­bios foi identificada.

As redes camponesas de produção de alimen­tos conservam a diversidade microbiana agrícola na medida em que conseguem manter a integridade dos solos e a diversidade de cultivos e animais. Os micróbios gastrointestinais, por variarem entre raças e alimentos, ajudam na eficiência alimentar e na saúde geral dos animais e reduzem as emissões de metano do gado.

Trabalho, saúde e tecnologia

Na cadeia industrial, a tecnologia atua desenvolvendo microinvenções para macroambientes: inovações ou modificações genéticas desenvolvidas cuidadosamente em laboratórios privados, para aplicar em cultivos que se pretende distribuir em nível global. Essa tecnologia precisa estabelecer monopó­lios fechados, que provocam uniformidade e vulnera­bilidade a doenças.

Nas redes camponesas, a experimentação constitui sistemas de tecnologias amplas e horizontais que aplicam macrossoluções que são úteis em microambientes: mudanças multidimensionais e distintas nos ecossistemas agrícolas de cada unidade produtiva. Não são patenteáveis, (são o pão de cada dia), se beneficiam da pesquisa compartilhada e dos sistemas de saberes tradicionais.

Nos países industrializados, o número de famílias de camponeses ou agricultores reduziu-se à metade ou menos nos últimos 50 anos, com o desenvolvimento agroindustrial e o processamento de alimentos. Milhões de famílias em todo o planeta foram desterradas pelo advento da indústria em todas as suas ordens.

Além de tirar-lhes o sustento, a agroindús­tria é uma fábrica de extermínio de comunidades: os agrotóxicos causam 3 milhões de doenças graves e 220 mil mortes por ano. Para cada dólar gasto em agrotóxicos na África subsaariana, a região perde mais 6,3 bilhões ao ano em custos médicos e queda de produtividade causada por doenças relacionadas ao uso e consu­mo de agrotóxicos.

Nas redes camponesas, 80% das residências cultivam algum alimento. Mais de 2,6 bilhões de pessoas no planeta dependem da agricultura, da pesca e da criação de animais. As unidades produtivas camponesas dão emprego a 30% mais pessoas do que os monocultivos e os desertos verdes industriais. Apesar do número e tamanho das propriedades camponesas não estar bem documentado, pode-se verificar que a agricultura em pequena escala é mais produtiva, e seus produtos, mais nutritivos: uma das variedades camponesas de batatas no Peru tem 28 vezes mais fitonutrientes úteis para prevenir o câncer do que sua parente indus­trial. As tortilhas feitas de variedades indígenas de milho azul contêm 20% mais proteínas e são mais fáceis de digerir que as tortilhas feitas de milho de variedades comerciais.

A diversidade

A cadeia alimentar industrial considera a diversidade um obstáculo para a produção e os monopólios. Devido a sua localização e a seus processos, está eliminando a metade das 7 mil línguas e culturas que habitamos o planeta. Um terço dos territórios na América do Sul (a República da Soja e seus arredores) já não contam com falantes de línguas indígenas.

As redes camponesas consideram a diversidade agrícola necessária para assegurar a existência. Em cada região, a sobrevivência depende do conhecimento específico e profundo que se tenha de cada cultivo, solo, clima ou raça animal que ali exista. Se forem perdidas as culturas e as línguas que permanecem estoica­mente no mundo e que resistem à invasão industrial, nossa geração será, talvez, a primeira na história a perder mais saberes do que ganhou. 

Aceitar que podemos contar com a cadeia in­dustrial para solucionar a mudança climática e a crise de alimentos não se sustenta estatistica­mente. A cadeia não só NÃO é a resposta, como também é grande parte do problema. Urge apoiar os sistemas camponeses de produção de alimentos e as práticas agroecológicas. Urge mais pesquisa, debate informado e diversidade para acabar com os mitos que sabotam os sistemas de alimenta­ção justos e saudáveis.

Ver o texto completo “Quién nos alimentará:¿La cadena industrial de producción de alimentos o las redes campesinas de subsistencia? No site do Grupo ETC: www.etcgroup.org/es

Ali se encontram as referências completas e os reconhecimentos a pessoas e instituições em cujas pesquisas nos abastecemos para fazer este documento.

Author: Grupo ETC
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