Direitos da Natureza e geoengenharia
O sol debaixo das patas dos cavalos
Elizabeth Bravo
Jorge Enrique Adoum escreveu, em 1970, O sol debaixo das patas dos cavalos, onde trata sobre a conquista espanhola dos Andes. O livro faz referência ao fim de uma civilização solar: a uma sociedade agrícola derrotada pelo poderio europeu com uma tecnologia de guerra que os povos andinos não conheciam: as armas de fogo.
Agora o sol está a ponto de voltar a cair debaixo dos cascos de novas tecnologias, desconhecidas para a maioria da humanidade: a geoengenharia.
A maioria da vida na terra depende da capacidade que as plantas, as algas e as cianobactérias têm de usar a energia do sol para tansformar o CO2 atmosférico em alimentos (hidratos de carbono) e oxigênio, através do processo da fotossíntese. Esses são os únicos organismos capazes de elaborar seu próprio alimento; todos os outros seres vivos dependem dos alimentos elaborados pelos organismos fotossintetizadores. A respiração de todos os seres vivos, junto com a decomposição orgânica (feita por bactérias e fungos), permite que o carbono biológico retorne à atmosfera, ainda que uma parte fique fixada nos tecidos dos seres vivos e no solo.
Estima-se que na ausência da interferência humana, a cada 20 anos há uma renovação total do carbono atmosférico. O carbono é armazenado em três grandes depósitos: terrestre (20 mil Gt), atmosfera (750 Gt) e oceanos (40 mil Gt). Apesar de o reservatório atmosférico ser o menor dos três, é ele que determina o clima terrestre. Mas, devido às atividades da civilização petroleira, existe demasiado CO2 (fóssil) na atmosfera, o que levou ao aquecimento global. Para esfriar o globo planetário, a geoengenharia propõe reduzir a quantidade de luz solar que chega ao Planeta.
Alterar o ciclo de carbono. Os oceanos representam o maior depósito de carbono e, através de processos químicos, há uma transferência de CO2 para a atmosfera, estabelecendo-se um delicado equilíbrio entre as camadas superficiais do oceano e o ar superficial. A quantidade de CO2 que o oceano absorve depende da temperatura (sendo uma absorção maior quando a temperatura é mais baixa) e da concentração.
O fitoplâncton absorve grandes quantidades de CO2, e este é consumido pelo zooplâncton em poucos dias. Uma percentagem do carbono é acumulada no fundo do mar, quando as conchas do zooplâncton, compostas de carbonato de cálcio, depositam-se no fundo após sua morte. Outra percentagem, gerada nos processos biológicos dos organismos marinhos, sobe para a atmosfera.
Agora querem alterar esse equilíbrio limitando a entrada de energia solar na Terra para esfriá-la, mas isto, ao mesmo tempo, limitaria o processo de fotossíntese. Há pelo menos duas formas de fazer isso:
Uma das propostas em experimentação é o chamado “branqueamento das nuvens” (ou modificação da reflexividade das nuvens) que têm como objetivo incrementar o albedo, ou seja, a reflexividade da superfície terrestre; a energia refletida pela Terra para o universo. Quanto maior é o albedo, maior é o retorno de energia da Terra para o universo e menor a quantidade de energia radiante solar disponível para a consecução da vida no Planeta.
Essa é uma proposta absurda, pois enquanto por um lado o Planeta se esfria devido á menor incidência de energia solar, por outro lado se aquece porque haveria menor possibilidade de as plantas e as algas fazerem fotossíntese e capturarem o CO2 atmosférico, mas é perigoso, principalmente porque afeta o albedo.
O multimilionário Bill Gates é um dos que apoiam essa iniciativa através de um financiamento a um grupo de pesquisa em São Francisco chamado Silver Lining. O princípio através do qual este projeto funciona é que as nuvens formam-se de partículas (aerossóis) suficientemente pequenas para se manterem em suspensão no ar, chamadas “núcleos de condensação de nuvens”. O Silver Lining está desenvolvendo máquinas que convertem a água do mar em partículas microscópicas capazes de serem lançadas a mil metros de altura. Isso aumentaria os núcleos de condensação de nuvens, a formação de nuvens e, portanto, o albedo.
Um primeiro “ensaio” pretenderia colocar no mar dez barcos que afetarão 10 mil quilômetros quadrados de oceano. A máquina pode extrair dez toneladas de água marinha por segundo. De acordo com a informação proporcionada pelo Grupo ETC, um dos lugares onde se fariam as primeiras provas seria no Pacífico, em frente do Equador (o país dos direitos da natureza), Peru e Chile.
Outra proposta, na mesma linha, consiste em bombardear a estratosfera com milhões de aerossóis de sulfato para incrementar a formação de nuvens. A introdução de grandes quantidades de sulfato no ar pretende replicar de maneira artificial as erupções vulcânicas: gerar grande quantidade de substâncias poluentes que tornem o céu opaco, propiciem a criação de nuvens, e esfriem uma área, pelo menos regionalmente. A intenção é criar esse ambiente vulcânico em nível mais generalizado, para que tenha um impacto no clima planetário.
Nos oceanos, o dimetil sulfeto é a fonte mais importante de formação de núcleos que formam nuvens. Essa molécula é produzida pelo fitoplâncton oceânico, mas pode ser muito poluente em condições de desiquilíbrio ecológico. Por exemplo, é responsável pelas chuvas ácidas em zonas altamente industrializadas nas quais são gerados poluentes com base no sulfeto. A presença de grandes quantidades de sulfeto, acima da capacidade biológica de reciclá-lo, afetará a vida nos oceanos. E se constituiria numa flagrante violação aos direitos da Natureza, pois a vida sobre a Terra depende do fluxo de energia procedente do Sol. Ainda que só uma pequena fração da energia solar que alcança a Terra se transforme na energia que impulsiona todos os processos vitais, ela é a quantidade suficiente para que a vida continue no Planeta.
James Fleming descreve essa tecnologia como uma declaração de guerra à estratosfera. Será necessário um bombardeio constante de partículas para poder regular o clima em longo prazo e em nível planetário.
Os cientistas que estão brincando com o clima não conseguem prever os impactos que essas mudanças podem gerar nos processos biológicos, na estrutura dos ecossistemas e em suas funções (que também estão “protegidos” pela Constituição do Equador).
Qual é a motivação que está por trás desses perigosos experimentos?
Em sua obra sobre a conquista espanhola, Adoum faz um de seus personagens perguntar a um soldado:
Por que você está nesta guerra a milhares de quilômetros de seu país?
E o soldado lhe responde:
Porque me pagam melhor do que em qualquer outro lugar.
Hoje há bilhões de dólares por trás do negócio da mudança climática.
Geoengenharia e direitos da Natureza. Essas novas tecnologias surgem com força quase em paralelo com um dos principais aportes que o Equador faz à história da humanidade: o reconhecimento dos direitos da Natureza.
Que relação há entre esses dois eventos já que a geoengenharia viola os direitos da Natureza, tal como estão estipulados na Constituição equatoriana? Vejamos o que diz o artigo 72.
A natureza, ou Pachamama, onde se reproduz e realiza a vida, tem direitos a que se respeite integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais.
Nos casos que vimos, essas tecnologias estariam atentando contra o ciclo do carbono.
E, uma vez que os experimentos que estão fazendo ultrapassam os limites nacionais, os direitos da Natureza deveriam ser universais.
Fontes
Constituição do Equador, 2008
James Fleming. “The Climate Engineers”, The Wilson Quarterly, primavera, 2007.