Aqueles que governam, aqueles que elaboram as políticas, e a imensa maioria dos habitantes das cidades, não sabem que existem importantes sistemas alimentares invisíveis. Passaram o último meio século sem questionar o modelo ocidental de produção, processamento e consumo de alimentos. Quase tudo o que foi pensado sobre segurança alimentar nas últimas décadas é baseado nesse modelo. Nós nos tornamos dependentes das estatísticas e interpretações limitadas promovidas pelas agroempresas, e há cada vez menos informação acessível ao público sobre a realidade dos mercados e seus lucros. O grande público e aqueles que projetam as políticas aceitam que o aumento do consumo de carne e laticínios, da obesidade e da necessidade de fertilizantes e agroquímicos é incontestável. É urgente debater o que sabemos (e o que supomos) sobre a cadeia industrial de produção de alimentos. Para uns, a produção baseada nas multinacionais de agronegócios, dominante na maior parte do mundo ocidental, é o único paradigma realmente aceitável e possível. Para outros, são os camponeses que devem estar no ponto de partida, no centro de todas as políticas de alimentação, locais, nacionais e globais. Usamos o termo “camponeses” e “camponesas” para descrever todos aqueles que produzem alimentos principalmente para si mesmos e para suas comunidades, sejam agricultores rurais, urbanos ou periurbanos, pescadores de costas e rios, pastores ou caçadores e coletores. Muitos camponeses entram em todas essas categorias. Os agricultores frequentemente têm tanques ou animais de criação, caçam ou são extrativistas. Muitos vão e vêm entre o campo e a cidade. Por “rede” entendemos a complexidade de relações que se apoiam umas nas outras e são compartilhadas por camponeses e comunidades. A variedade de fontes de alimentos das quais se nutrem as comunidades camponesas dificulta as estatísticas: os camponeses trabalham com cerca de 7 mil cultivos, enquanto os analistas da indústria focam em 150. Quase nunca consideram as “colheitas ocultas” (extrativismo sazonal em florestas, costas e savanas) ou a abundância de colheitas urbanas (hortaliças, piscicultura e animais). Também é difícil calcular quanta comida é produzida e consumida na cadeia industrial de alimentos. Muito tem sido escrito sobre o desperdício que provém do descarte de frutas e vegetais “imperfeitos” ou dos problemas do transporte em longas distâncias, sobre a boa qualidade dos alimentos descartados pelos supermercados e daquilo que os próprios consumidores jogam fora em suas casas; há muito pouca pesquisa sobre o consumo excessivo: dos 80% da terra agrícola e dos fertilizantes que, em nível planetário, são destinados à alimentação animal e convertidos em carne e laticínios, quanto é desperdiçado? Cada vez mais consumidores excedem em muito a ingestão recomendada pelas autoridades de saúde. Ao calcular todas essas formas de desperdício, concluímos que a cadeia industrial fornece apenas 30% da comida que a humanidade consome e necessita. Definitivamente, a produção industrial de alimentos não é capaz de proporcionar o que aqueles que sofrem de fome ou desnutrição realmente necessitam. Quem nos alimenta A cadeia industrial provê 30% dos alimentos utilizando de 70% a 80% da terra arável. Usa mais de 80% dos combustíveis fósseis e 70% da água destinados para uso agrícola; ocasiona entre 44 e 57% das emissões anuais de gases de efeito estufa (GEE); desmata 13 milhões de hectares e destrói 75 bilhões de toneladas de cobertura vegetal por ano. Embora domine os 7 trilhões de dólares que vale o mercado mundial de alimentos, controla somente 15% da comida produzida no planeta (a que é comercializada internacionalmente) e deixa 3,4 bilhões de pessoas desnutridas ou obesas. Em um ano normal, e com boas terras, as variedades mais produtivas dos principais monocultivos comerciais produziriam, por hectare, maior quantidade para o mercado que as variedades camponesas do mesmo cultivo, mas a um custo muito maior, que inclui danos à saúde, aos meios de subsistência das comunidades e devastação ambiental. As redes camponesas produzem mais de 70% da comida que a humanidade consome. Entre 15% e 20% provêm de agricultura urbana; outros 10 a 15% da caça e do extrativismo; 5 a 10% da pesca, e entre 35 e 50% de unidades de produção agrícola de pequena escala. Colhem 60-70% dos cultivos alimentares com 20-30% da terra arável; utilizam menos de 20% dos combustíveis fósseis e 30% da água destinados para usos agrícolas. Nutrem e usam a biodiversidade de maneira sustentável e são responsáveis pela maior parte dos 85% dos alimentos que são produzidos e consumidos dentro das fronteiras nacionais. São o principal provedor, e às vezes o único, dos alimentos que chegam aos dois bilhões de seres humanos que sofrem de fome e desnutrição no planeta. Em um ano normal ou ruim, em solos bons ou empobrecidos, as variedades camponesas em sistemas de consorciação de vários cultivos, junto com a pesca e a criação de animais, produzem, no total, mais comida por hectare, e mais nutritiva, que qualquer monocultivo da cadeia industrial, por uma fração do custo, empregando mais pessoas e cuidando do ambiente. Quem vai nos alimentar A cadeia industrial: Com a monopolização de terras, os tratados comerciais que favorecem as indústrias, os monopólios de patentes cada vez mais abusivos, a criminalização dos intercâmbios de sementes, os subsídios vantajosos aos combustíveis fósseis baratos e o fato de transferir aos consumidores e aos produtores camponeses cada vez mais custos da produção industrial de alimentos e da segurança alimentar, a porcentagem de população urbana no planeta chegará aos 70%, a obesidade duplicará, a produção de carne e a de laticínios crescerão 70%; a demanda total de alimentos aumentará 50% e a necessidade de água crescerá 30%. As emissões de GEE aumentarão 60%. A rede camponesa: Com respeito irrestrito aos territórios camponeses, se fosse salvaguardado o direito à terra e à água, aos intercâmbios de sementes e ao melhoramento vegetal e animal comunitários; se fossem eliminadas as regulamentações que sabotam os mercados locais e a diversidade, se o comércio social e ambientalmente justo fosse generalizado, se fossem democratizados a pesquisa e o desenvolvimento de práticas agroecológicas, a população rural planetária se manteria em 50%, o acesso a alimentos e a qualidade dos mesmos duplicaria, as taxas de obesidade despencariam, as emissões de GEE seriam reduzidas em pelo menos 60%, e a demanda de água em 50%; e o uso de combustíveis fósseis para trabalhos agrícolas seria reduzido entre 75 e 90%. A cadeia industrial usa 150 cultivos, mas foca em apenas 12. Cerca de 45% da pesquisa e desenvolvimento agrícolas se concentram na versatilidade do milho. Mais de 80 mil variedades foram registradas sob propriedade intelectual desde 1970; mais da metade (59%) são ornamentais. O custo médio para desenvolver uma variedade geneticamente modificada é de 136 milhões de dólares. Somente entre 10 e 20% das sementes que são utilizadas no Sul global provêm do setor comercial. A cadeia está centrada no melhoramento de poucos cultivos e considera apenas 700 de seus parentes silvestres para a adaptação à mudança climática. A rede camponesa cultivou mais de 2 milhões e 100 mil variedades de 7 mil espécies de cultivos desde os anos sessenta. Ornamentais, uma mínima parte. Produzir novas variedades não custa nada. Entre 80 e 90% das sementes são obtidas fora do mercado. Os camponeses conhecem e manejam de 50 a 60 mil espécies de parentes silvestres, o que, segundo a cadeia industrial, custaria 115 bilhões de dólares por ano. A cadeia industrial trabalha com 5 espécies e menos de 100 variedades. Menos de uma dúzia de corporações dominam a pesquisa em genética pecuária de frango, porco e gado. Quatro empresas dominam 97% da pesquisa sobre melhoramento genético do frango, e 4 dominam 65% da genética de porcos. Pela uniformidade genética que promovem, Europa e América do Norte têm a proporção mais alta de espécies pecuárias em perigo de colapso. A rede camponesa: Utiliza pelo menos 40 espécies pecuárias e mantém 7 mil raças locais. Cerca de 640 milhões de agricultores camponeses e 190 milhões de pastores cuidam da diversidade animal que nos alimenta. E 2/3 dos cuidadores dessas espécies animais são mulheres. Domicílios rurais e urbanos no Sul global obtêm da criação doméstica de animais entre 1/3 e 1/2 de suas rendas. A colheita aquática A cadeia industrial captura 363 espécies marinhas e cria 600 em cativeiro, mas seus programas de melhora estão focados em apenas 25. A sobre-exploração ameaça 20% das espécies de água doce; 30% das reservas oceânicas de peixes estão sobre-exploradas, e 57% estão no limite da sobre-exploração. Os barcos pesqueiros pescam hoje somente 6% do que era capturado há 120 anos. A rede camponesa pesca mais de 15 mil espécies de água doce e milhares de espécies nos oceanos. Uma 5ª parte da humanidade depende da pesca como principal fonte de proteínas. As mulheres representam 33% da força de trabalho rural dedicada à aquicultura na China, 42% na Indonésia e 80% no Vietnã. Quem possui as terras e como as utiliza Pelo menos desde 2001, a cadeia industrial apoderou-se de 15% da terra agrícola para produzir matérias-primas industriais e de 2% ou mais para produzir agrocombustíveis. Usa entre 70 e 80% da terra arável e 176 milhões de toneladas de fertilizantes sintéticos, e devasta 75 bilhões de toneladas de solos (avaliadas em 400 bilhões de dólares) a cada ano. A cadeia industrial impõe a produção pecuária (ração, forragens ou pastagens) a 78% da terra agrícola do planeta. E 80% do fertilizante é usado na produção de forragens, mas a metade desse fertilizante nunca chega às plantas cultivadas devido a deficiências técnicas. A rede camponesa usa entre 20 e 30% da terra arável do planeta, da qual cultiva pelo menos a metade sem usar fertilizantes sintéticos (23% do nitrogênio usado em sistemas agrícolas de cultivos consorciados provém de esterco). Em conjunto, os camponeses conseguem que entre 70 e 140 milhões de toneladas de nitrogênio sejam fixadas anualmente nos solos, o que, em um esquema de mercado, custaria mais de 90 bilhões de dólares. Quem protegerá nossas florestas A indústria de produtos madeireiros primários, com valor de 186 bilhões de dólares, focaliza em 0,5% das espécies conhecidas (450). Na América Central, a mudança do uso do solo de florestas para forragens destruiu 40% das florestas em 40 anos. E 75% das terras desmatadas no Amazonas brasileiro estão ocupadas por pecuaristas. Mais de 90% da madeira tropical é comercializada de maneira ilegal. Nas redes camponesas são conservadas umas 80 mil espécies florestais utilizadas de diversas formas por 80% das comunidades do Sul global. Das florestas e savanas, são colhidos entre 10 e 15% da alimentação mundial. Cerca de 1,6 bilhão de pessoas dependem das florestas para sua subsistência, e as terras chamadas de “ociosas” geram aproximadamente 90 bilhões de dólares por ano. A metade da terra de cultivo no planeta conta com pelo menos 10% de florestas, que têm um papel vital na conservação e armazenamento dos GEE. Produzir destruindo ou produzir cuidando Com a agricultura industrial, calcula-se que as emissões de gás metano aumentarão 60% até 2030. As unidades de produção agrícola não orgânicas emitirão uma quantidade adicional de 637 kg/ha de CO2 por ano. A exploração da área do leito marítimo feita atualmente pelos navios de pesca industrial contribui, a cada ano, para a destruição de 1,5% das pradarias oceânicas e libera 299 milhões de toneladas de carbono na atmosfera. A agricultura das redes camponesas mantém os pastos, as variedades e a diversidade microbiana que contribuem para reduzir as emissões de metano e de óxido nitroso. A agricultura orgânica e camponesa, assim como as práticas agroecológicas de restauração de solos, podem armazenar entre 3 e 8 toneladas adicionais de carbono por hectare, reduzindo até 60% das emissões de GEE. As tecnologias dos pescadores artesanais não destroem as pradarias oceânicas. Quem está acabando com a água Cerca de 76% da água que cruza as fronteiras nacionais é usada para a agricultura industrial e para o processamento de seus produtos (o comércio de soja e seus derivados gasta 20% do total dos fluxos de água internacionais de águas limpas). Os comércios de produtos animais e industriais requerem, cada um, 12% do uso da água. A dieta baseada em proteína animal necessita de até 5 vezes mais água que uma dieta vegetariana. A água usada para a produção de alimentos que depois são desperdiçados seria suficiente para satisfazer as necessidades domésticas de 9 bilhões de pessoas. Nas unidades de produção que não usam agroquímicos, a lixiviação de nitrato até os lençóis freáticos é quatro vezes menor. Cerca de um bilhão de pessoas consomem produtos agrícolas que foram cultivados a princípio com águas residuais. A água de uma cidade com um milhão de habitantes pode irrigar entre 1.500 e 3.500 hectares de terras semiáridas. Entre 15 e 20% da produção global de alimentos ocorre em áreas urbanas. Uma dieta vegetariana requer cerca de 5 vezes menos água que uma dieta baseada na proteína animal. Quem gasta energia A cadeia industrial consome enormes quantidades de carvão fóssil (em combustíveis, fertilizantes e agrotóxicos) contribuindo para a degradação ambiental e para a emissão de gases. Os fertilizantes e agrotóxicos equivalem à metade da energia que é utilizada para produzir trigo. A fabricação de nitrogênio sintético usa 90% de toda a energia utilizada na indústria de fertilizantes. A rede camponesa trabalha com uma eficiência energética muitíssimo maior: enquanto a cadeia industrial precisa de 2,7 megacalorias (Mcal) de energia externa para produzir um quilo de arroz, a rede camponesa o produz com apenas 0,03 Mcal. Para o milho, o custo energético da cadeia é de 1,4 Mcal, enquanto para a rede é de 0,04 Mcal. A produção industrial alimenta as doenças e lucra com o desperdício. As conservas foram inventadas para prolongar a vida dos comestíveis, mas, atualmente, a meta comercial do processamento é homogeneizar, transportar e concentrar ingredientes em um mercado com valor de 1,37 trilhão de dólares. Desde 1950, o processamento de alimentos ocasionou a redução dos conteúdos nutricionais, a uniformização das dietas, a redução da diversidade e o aumento das taxas de obesidade e de doenças crônicas relacionadas. Entre as redes camponesas se processam e conservam os alimentos para consumo local. Dois bilhões de pessoas no Sul dependem dos processos locais artesanais de fermentação e processamento de grande parte dos alimentos que consomem. Da comida produzida industrialmente, entre 33 e 40% são desperdiçados durante a produção, transporte, processamento e nos domicílios; 25% se perdem pelo sobreconsumo. O desperdício per capita de alimentos na Europa e na América do Norte é de 95 a 115 quilos por ano. Menos de 5% da pesquisa agrícola se dedica a compreender e remediar as perdas pós-colheita. Os barcos pesqueiros industriais, a cada ano, jogam de volta no mar 7 milhões de toneladas de produto e assassinam 40 milhões de tubarões para vender suas barbatanas. Somadas as perdas e desperdícios de todo tipo, calculam-se entre 280 e 300 kg per capita na Europa e na América do Norte. Em contraste, o desperdício nos domicílios da África Subsaariana e do Sudeste da Ásia é de 6 a 11 quilos per capita, menos de 10% do que é desperdiçado nos países industrializados. Nessa mesma região, a soma das perdas e desperdícios daria 120 e 170 quilos per capita. Grande parte dos restos dos cultivos e dos alimentos processados de modos locais no Sul global fertilizam os solos e alimentam os peixes ou os animais domésticos. Embora a cadeia industrial tenha grandes custos e desperdícios, 2 bilhões de pessoas têm deficiências de micronutrientes (868 milhões estão abaixo da linha da fome) e mais 1,4 bilhão sofrem de sobrepeso (das quais 500 milhões são obesas). O consumo de carne nos países ricos é quase 2,2 vezes mais do que o recomendado pela FAO. O esperado é que a obesidade duplique até 2030. As perdas em produtividade e em gastos com doenças relacionadas à malnutrição e ao sobreconsumo já excederam os 4 trilhões de dólares ao ano, equivalentes a mais da metade do valor mundial do mercado de comestíveis. As redes camponesas de subsistência no Sul global são o principal fornecedor de comida para aqueles que sofrem de fome ou desnutrição. Evitam os monocultivos agrícolas e pecuários e promovem a diversidade genética. As dietas variadas, nos lugares onde não dominam as corporações de fast food, poderiam economizar para o mundo até 4 trilhões de dólares ao ano e são a forma mais segura de resolver as deficiências de micronutrientes entre a população. Os valores nutricionais dos cultivos camponeses, devido à sua diversidade genética, podem variar até mil vezes comparados com a cadeia industrial: 200 gramas de arroz por dia podem representar 25 ou até 65% das necessidades de proteína; uma banana pode oferecer entre 1 e 200% da dose diária de vitamina A que um corpo humano necessita. E os bichos pequeninhos? A apicultura comercial presta serviço a uma terça parte dos cultivos nos países industrializados. As colônias de abelhas estão tendo baixas dramáticas por causa dos inseticidas, o que ameaça uma perda de produtividade de cerca de 200 bilhões de dólares. Graças às redes camponesas, 71 dos 100 cultivos alimentares mais importantes são polinizados principalmente por abelhas silvestres que sobrevivem com aqueles que compartilham os mesmos habitats, de onde obtêm alimentos e remédios. A uniformidade genética de cultivos e animais, combinada com o uso maciço de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos, dizimou as populações de micróbios benéficos para a agricultura, erodindo os solos, afetando a eficiência alimentar dos animais e tornando-os extremamente vulneráveis a doenças. A indústria coleta e conserva ex-situ 1 milhão e 400 mil cepas microbianas, no entanto, menos de 2% da diversidade dos micróbios foi identificada. As redes camponesas de produção de alimentos conservam a diversidade microbiana agrícola na medida em que conseguem manter a integridade dos solos e a diversidade de cultivos e animais. Os micróbios gastrointestinais, por variarem entre raças e alimentos, ajudam na eficiência alimentar e na saúde geral dos animais e reduzem as emissões de metano do gado. Trabalho, saúde e tecnologia Na cadeia industrial, a tecnologia atua desenvolvendo microinvenções para macroambientes: inovações ou modificações genéticas desenvolvidas cuidadosamente em laboratórios privados, para aplicar em cultivos que se pretende distribuir em nível global. Essa tecnologia precisa estabelecer monopólios fechados, que provocam uniformidade e vulnerabilidade a doenças. Nas redes camponesas, a experimentação constitui sistemas de tecnologias amplas e horizontais que aplicam macrossoluções que são úteis em microambientes: mudanças multidimensionais e distintas nos ecossistemas agrícolas de cada unidade produtiva. Não são patenteáveis, (são o pão de cada dia), se beneficiam da pesquisa compartilhada e dos sistemas de saberes tradicionais. Nos países industrializados, o número de famílias de camponeses ou agricultores reduziu-se à metade ou menos nos últimos 50 anos, com o desenvolvimento agroindustrial e o processamento de alimentos. Milhões de famílias em todo o planeta foram desterradas pelo advento da indústria em todas as suas ordens. Além de tirar-lhes o sustento, a agroindústria é uma fábrica de extermínio de comunidades: os agrotóxicos causam 3 milhões de doenças graves e 220 mil mortes por ano. Para cada dólar gasto em agrotóxicos na África subsaariana, a região perde mais 6,3 bilhões ao ano em custos médicos e queda de produtividade causada por doenças relacionadas ao uso e consumo de agrotóxicos. Nas redes camponesas, 80% das residências cultivam algum alimento. Mais de 2,6 bilhões de pessoas no planeta dependem da agricultura, da pesca e da criação de animais. As unidades produtivas camponesas dão emprego a 30% mais pessoas do que os monocultivos e os desertos verdes industriais. Apesar do número e tamanho das propriedades camponesas não estar bem documentado, pode-se verificar que a agricultura em pequena escala é mais produtiva, e seus produtos, mais nutritivos: uma das variedades camponesas de batatas no Peru tem 28 vezes mais fitonutrientes úteis para prevenir o câncer do que sua parente industrial. As tortilhas feitas de variedades indígenas de milho azul contêm 20% mais proteínas e são mais fáceis de digerir que as tortilhas feitas de milho de variedades comerciais. A diversidade A cadeia alimentar industrial considera a diversidade um obstáculo para a produção e os monopólios. Devido a sua localização e a seus processos, está eliminando a metade das 7 mil línguas e culturas que habitamos o planeta. Um terço dos territórios na América do Sul (a República da Soja e seus arredores) já não contam com falantes de línguas indígenas. As redes camponesas consideram a diversidade agrícola necessária para assegurar a existência. Em cada região, a sobrevivência depende do conhecimento específico e profundo que se tenha de cada cultivo, solo, clima ou raça animal que ali exista. Se forem perdidas as culturas e as línguas que permanecem estoicamente no mundo e que resistem à invasão industrial, nossa geração será, talvez, a primeira na história a perder mais saberes do que ganhou. Aceitar que podemos contar com a cadeia industrial para solucionar a mudança climática e a crise de alimentos não se sustenta estatisticamente. A cadeia não só NÃO é a resposta, como também é grande parte do problema. Urge apoiar os sistemas camponeses de produção de alimentos e as práticas agroecológicas. Urge mais pesquisa, debate informado e diversidade para acabar com os mitos que sabotam os sistemas de alimentação justos e saudáveis. Ver o texto completo “Quién nos alimentará:¿La cadena industrial de producción de alimentos o las redes campesinas de subsistencia? No site do Grupo ETC: www.etcgroup.org/es Ali se encontram as referências completas e os reconhecimentos a pessoas e instituições em cujas pesquisas nos abastecemos para fazer este documento.